sábado, 12 de abril de 2008

Grandes Cineastas: KAR WAI WONG


Muitas vezes os cinéfilos lamentam não contar mais com os grandes diretores do passado. Mais de uma geração de mestres passou, parecendo não haver seguidores à altura de suas lições e segredos. Há quem chame isso de saudosismo. Outros apenas encaram como uma constatação óbvia e inevitável que o cinema atual parece ter se desvirtuado, saído dos trilhos ao desprezar às experiências anteriores em favor de efeitos e artificialismos. Mas nem tudo está perdido, pois a capacidade de renovação felizmente continua no cerne de qualquer manifestação artística. É o caso do chinês Kar Wai Wong, cuja filmografia vem se constituindo num dos alicerces do cinema moderno, com uma sólida carreira que já acumula quinze filmes.

Nascido em 1956, Wong viveu em Shanghai porém, aos cinco anos, sua mãe emigrou para Hong-Kong, abandonando o pai e outros dois filhos, levando-o junto na empreitada. Sem falar o dialeto local, o cantonês, até os 13 anos, sua infância foi solitária e difícil. Nessa época começou a demonstrar uma inclinação pela arte, em especial pelo desenho, mas logo seu foco era outro. Aos 24 anos, após se formar como desenhista gráfico, o ingresso num curso de preparação para roteiristas mudou o rumo de sua vida. As imagens que o fascinaram tanto na juventude agora podiam ter movimento. As idealizações e sonhos dos anos de solidão, a necessidade de compartilhar e comunicar, inibida por tanto tempo, estava prestes a ganhar forma cinematográfica.

Após seis anos trabalhando como fazedor de roteiros, começou a dirigir filmes publicitários e clipes musicais. Sua primeira chance nos longametragens veio em 1988, ao rodar WONG GOK KA MOON (inédito no Brasil), segundo a crítica internacional uma estimulante mistura de paixão e crime emoldurada pelos neons de Hong-Kong. Logo no seu segundo filme, DIAS SELVAGENS (A Fei Jing Juen), de 1991, o exorcismo de velhas inseguranças se faz presente: um rapaz descobre que não foi criado por sua mãe biológica, enquanto fica indeciso também pelo amor de duas mulheres. A sobrevivência e instabilidade das relações sentimentais ganham seu primeiro capítulo, sob um estilo visualmente suntuoso, com uma busca pelo apuro visual através da iluminação.

A evolução gritante de filme para filme culminou com a obra-prima AMOR À FLOR DA PELE (Fa Yeung Nin Wa), de 2000, onde dois vizinhos descobrem que seus respectivos cônjuges mantém um caso, iniciando também um relacionamento romântico, temperado pelo choque entre a solidão e o desejo. Com técnica impecável, tudo é tratado com extrema sutileza: imagens lentas, o ritmo da música, a suavidade da iluminação, o sexo apenas sugerido e não explícito, deixando a intensidade por conta das emoções latentes no interior do casal, numa atmosfera onírica e melancólica. Esse domínio consciente da forma em função do conteúdo, essa maneira de pensar as soluções visuais como contraponto à narrativa, revelam um artista maduro e capaz de manipular os instrumentos que o cinema oferece. O reconhecimento veio através de uma enxurrada de 31 prêmios internacionais, em diversos festivais e mostras.

Embora creditado como roteirista de quase todos os seus filmes, sabe-se que isso não passa de uma convenção, pois Wong não se utiliza de roteiros e sim de uma idéia inicial que desenvolve no curso das filmagens. Segundo ele, seu estilo fragmentado de contar uma história é influenciado pelo romance The Buenos Aires Affair, do escritor argentino Manuel Puig, que adaptou às telas, em 1997, como FELIZES JUNTOS (Chun Gwong Cha Sit), se tornando até hoje por este trabalho o único chinês a receber um prêmio de direção no Festival de Cannes. Era uma questão de tempo surgirem os convites internacionais.

Em 2007, rodou UM BEIJO ROUBADO (My Blueberry Nights), seu primeiro filme em língua inglesa, contando com Jude Law e Norah Jones no papéis principais. Mais que uma mistura de drama e romance, é um delicado e tocante estudo sobre as distâncias amorosas e os possíveis caminhos para superá-las. Muitos o acusaram de fazer concessões ao mercado americano no tratamento açucarado do enredo, transformando-o num road-movie tipicamente ianque. No entanto, aqueles que realmente enxergam a profundeza e não a superfície, notarão que todos os traços artísticos e humanos típicos das suas principais obras estão presentes.

O que demonstra que na filmografia de Kar Wai Wong nada se perde, tudo se recria, tudo se transforma.


Um comentário:

Anônimo disse...

Confesso, com certa vergonha, que ainda não assisti nenhum filme do Kar Wai. Vou ver se me redimo começando com Amor à Flor da Pele.
Parabéns pelo blog, Roberto, aguardava pelo surgimento dele. E embora eu goste muito de quando você discorre dos filmes antigos, não deixa de ser uma boa idéia tentar formar um panorama do cinema moderno e contemporâneo (levando em conta que, mais dificil do que escrever sobre um passado sobre o qual já tanto se escreveu, é arriscar-se a julgar sobre o que ainda terá que passar pela prova do tempo).